Um dos temas debatidos no IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas (IX ENTC) na tarde desta segunda-feira (11) – primeiro dia de evento – foi a “Política Educacional: Desafios e Perspectivas para o Controle Externo”, tema de seminário que reuniu especialistas em educação e auditores que atuam com fiscalizações na área, unindo no mesmo diálogo a academia e os TCs.
Conforme os painelistas, o gasto público em Educação cresceu no país nos últimos 30 anos, atingindo 5% do Produto Interno Bruto em 2023 – ou R$ 550 bilhões. Contudo, historicamente, o montante ficou abaixo do que foi estabelecido na Meta 20 do Plano Nacional de Educação. Segundo o PNE, em 2019 os investimentos públicos no setor deveriam ter sido de 7% do PIB, chegando a 10% este ano.
Nalú Farenzena
Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
A avaliação da professora Nalú Farenzena, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é de que o volume de recursos públicos destinados à área talvez não seja suficiente para assegurar a equalização das diferenças econômicas, sociais, raciais e regionais do país no que se refere ao acesso e aos resultados dos serviços educacionais. Ela entende que uma educação equitativa é aquela que equaliza oportunidades educacionais e reduz distâncias.
“A educação não tem preço, pelos benefícios que pode trazer em termos de bem-estar social, mas tem custos e eles precisam ser cobertos com recursos suficientes”, declarou. A professora e pesquisadora trouxe uma questão levantada pelo teórico francês François Dubet, que questiona: “O que é uma escola justa?” Ele trata de diferentes dimensões da trajetória da expansão educacional, em vários países, relacionando-as à igualdade de acesso, igualdade meritocrática de oportunidades e igualdade de resultados.
Segundo Farenzena, em certa medida o estado brasileiro vem procurando dar resposta à questão, agindo não apenas ao prestar serviços na área, mas promovendo seu ordenamento, financiamento e controle. Ela destaca que a atuação estatal, exercida por meio da política educacional, assume dimensão cultural, também, atribuindo status aos indivíduos, segundo diferentes graus de escolaridade ou até mesmo falta de acesso a ela.
Adriana Aparecida Dragone Silveira
Professora da Universidade de São Paulo (USP)
A doutora em Educação pela USP destacou, logo no início de sua fala, a importância do IX ENTC como um “importante espaço para discutir política de financiamento educacional e como monitorá-la”, destacando ainda o papel fundamental dos Tribunais de Contas no monitoramento e na avaliação das políticas educacionais. “Muitas vezes, as pessoas acham que o controle externo é excessivo, mas ele faz parte de uma ordem democrática, que identifica e corrige desvios e ineficiências, além de ser uma ferramenta de transparência e accountability”, asseverou.
Para tanto, a especialista afirmou que é essencial que os TCs incluam em sua fiscalização na área as questões pertinentes ao acesso dos alunos às escolas, à sua permanência no sistema de ensino e à garantia e à qualidade da aprendizagem. A fim de atuar para que isso seja possível, os órgãos de controle devem levar em conta as diferenças sociais, regionais e raciais.
“A educação no Brasil é extremamente desigual e isso é um mecanismo de discriminação. Não é justo com o aluno receba sua educação tendo um professor que não possui uma formação adequada ou em uma escola que não conta com os equipamentos necessários, como bibliotecas e parques infantis. Por isso, a questão do financiamento é fundamental na eliminação dessas diferenças”, pontuou.
Aleson Amaral de Araújo Silva
Diretor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte (TCE-RN)
Por sua vez, o diretor de controle externo do TCE-RN apresentou os resultados obtidos a respeito do levantamento realizado pela Corte sobre a oferta de vagas em creches por parte dos municípios do Rio Grande do Norte. Segundo ele, o assunto adquiriu tal repercussão regional que chegou a obter destaque na imprensa e até mesmo a pautar o debate nas eleições municipais de 2024.
“Não só conseguimos colocar o tema em pauta, mas fizemos isso de uma forma diferente, pois não se discutiu apenas o assunto, mas como solucioná-lo – inclusive pelos candidatos a prefeito da capital do Estado”, relatou Silva, em referência ao pleito realizado neste ano em Natal. “Isso mostra que, utilizando o critério da oportunidade na definição de objetos de fiscalização, o Tribunal de Contas pode impactar de forma mais decisiva junto à sociedade, além do simples oferecimento do tradicional relatório de fiscalização”, complementou.
Entre os riscos identificados no levantamento, que ocasionou a repercussão relatada e levaram à oferta insuficiente de vagas em creches nos municípios do Estado, o diretor do TCE-RN destacou a existência de filas de espera, a ausência de oferta, a não realização de busca ativa e a inexistência de um plano de expansão para esses equipamentos públicos.
Roberta Leite de Aragão
Analista de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE)
A Auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Ceará Roberta Leite de Aragão apresentou o resultado de uma auditoria realizada em seis municípios cearenses a respeito da Formação e capacitação de profissionais do magistério, envolvendo professores, diretores, coordenadores e assessores pedagógicos.
Entre os achados mais relevantes encontrados estão a existência de profissionais sem vínculo efetivo, sem requisitos mínimos de qualificação para exercer a função e professores ministrando conteúdos incompatíveis com a sua formação (como docentes de Matemática dando aula de Geografia).
Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Ceará e especialista em Auditoria Governamental, Aragão destacou que, no tocante à carreira e salário, identificou-se a falta de regulamentação quanto à avaliação de desempenho para progressão. Também detectaram-se critérios de avaliação inconsistentes, estagnação da carreira e falta de pagamento do piso salarial para profissionais temporários.
Em relação à capacitação, a auditoria realizada pelo TCE- CE encontrou planos de formação não estruturados, inexistência de diagnósticos de necessidades formativas, baixa oferta de capacitação em Educação Ambiental e a inclusão do assunto como tema transversal.
A atividade desenvolvida levou à criação de uma proposta de encaminhamento, dirigida à Secretaria Estadual de Educação. A pasta tem noventa dias para apresentar, ao Tribunal, um plano de ação com vistas a adequar a situação irregular, para posterior monitoramento.
O plano compreende iniciativas como respeito ao piso salarial do professor; que os cargos sejam ocupados por profissionais efetivos, exceto em situações excepcionais justificadas; que os docentes tenham formações e conhecimentos mínimos necessários; e que seja adequado o quadro de professores, para que eles sejam alocados em sua área de conhecimento.
O documento defende, ainda, a regulamentação ou revisão dos critérios de desempenho dos profissionais da área; a criação de um Plano de Formação Continuada, estruturado com base nas reais necessidades formativas e oferta de Educação Ambiental para todos os docentes.
José Célio da Silva Lima e Guilherme Luzes Ribeiro Caetano
Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP)
A dupla de auditores do TCE-SP expôs aos presentes a metodologia e os resultados de auditoria realizada pelo órgão a respeito de contratação feita pela Prefeitura de Santo André voltada à manutenção e à conservação continuadas de escolas da rede municipal de ensino. Segundo José Célio da Silva Lima, os problemas com a contratação foram identificados logo na etapa do planejamento da fiscalização, quando foi constatado que havia problemas elétricos e hidráulicos em 100% das escolas do municípios, bem como que o ente não pontuava bem em índices levados em conta pelo órgão de controle – como o IEGM e o I-Educ.
Por sua vez, Guilherme Luzes Ribeiro Caetano ressaltou as falhas identificadas na contratação após análise pela equipe: aglutinação de objeto, ausência de projeto básico, exigência de atendimento simultâneo de até dez ordens de serviço e valor de contrato superior em 101% àquele destinado pela Lei Orçamentária Anual (LOA).
Além disso, após fiscalização presencial, os auditores identificaram problemas sérios de manutenção nas escolas, evidenciando que o contrato não era executado de forma eficiente – algo que foi corroborado pela detecção prévia de que 25% das ordens de serviço abertas pelo município junto à contratada levavam mais de 271 dias para serem atendidas – ou seja, não havia manutenção continuada na prática – e pelo fato de que 6% do valor do contrato havia sido destinado a ações de alfabetização de jovens e adultos, uma finalidade totalmente diversa daquela originalmente prevista.
Fabio Alex de Melo
Secretário de Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (TCE-MA)
O auditor do TCE-MA compartilhou com os participantes do IX ENTC os resultados de uma fiscalização que levou aquele órgão de controle a ser destaque em reportagem de dez minutos veiculada no programa “Fantástico”, da Rede Globo”: a fiscalização da Educação de Jovens e Adultos (EJA) com base em dados do Censo Escolar.
Segundo ele, a auditoria foi realizada a partir da constatação de que, enquanto as matrículas na EJA no Brasil, de uma forma geral, estavam caindo, no Maranhão, estas registravam um aumento exponencial – o que levou à suspeita de fraude por parte da equipe de fiscalização, o que mais tarde se confirmou.
“De 217 municípios, 200 apresentaram distorção fora da média nacional; alguns lugares do interior do estado possuíam 43% e até mesmo 56% da população adulta matriculada na EJA; e havia alunos com mais 70 anos matriculados, além de pessoas falecidas e muitos beneficiários do Bolsa Família”, relatou Melo.
Em 2023, a equipe decidiu visitar presencialmente os dez piores casos. No ano seguinte, a partir de uma parceria firmada com o Ministério Público Federal (MPF) e a Controladoria-Geral da União (CGU), o número de municípios visitados subiu para 40, inspecionados presencialmente por cerca de 50 auditores do TCE-MA.
“Nossa conclusão foi a de que os municípios estavam inflando os dados das matrículas na EJA de forma artificial para receberem verbas, o que evidencia o problema da transferência de recursos públicos com base em dados fraudados que não passam pelo crivo do sistema de controle”, concluiu o auditor.
Marian Bellamy
Coordenadora do GT Educação do Observatório de Políticas Públicas (TCM-SP)
Assessora de Controle Externo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, Marian Bellamy, trouxe a experiência do órgão na auditoria sobre o Ensino de Jovens e Adultos (EJA), uma atividade para a qual colaborou o diálogo da corte com o Observatório em Educação.
Por meio desse trabalho conjunto, percebeu-se um problema de acesso e permanência. Formada em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo e especialista em Gestão e Finanças, Bellamy assinalou que o aluno do EJA, geralmente, tem mais dificuldade em se manter no estudo, apesar de a modalidade ser uma das que mais contribuem para reduzir diferenças sociais, pois atende majoritariamente pobres, negros e mulheres.
Dada a relevância do tema, foi desenhada uma auditoria para identificar o que estava provocando esses dois fenômenos. A atividade foi desenvolvida entre janeiro e maio deste ano, por uma equipe composta por um supervisor e dois auditores. O público-alvo foi o contingente de moradores de São Paulo maiores de 15 anos, que não completaram o ensino fundamental.
Entre os achados destacados por Bellamy, estão a falta de acompanhamento dos dados dos alunos, ausência de normas específicas sobre o EJA e concentração da oferta em um único tipo dessa modalidade de ensino. Também foram identificadas deficiências na divulgação, na articulação com outras modalidades de ensino e na presença da supervisão escolar no período noturno.
As conclusões do trabalho, segundo apontou a assessora do TCM-SP, destacam a necessidade de estratégias diversificadas para prevenir a evasão e o abandono escolar, além de uma melhor articulação entre o EJA e outras modalidades de ensino. “A ideia é que a Secretaria (Municipal de Educação) apresente um plano de trabalho, incorporando estas ações”, revelou Bellamy.
O IX ENTC
O IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas (ENTC), que acontece até 14 de novembro, em Foz do Iguaçu (PR), reúne 2 mil participantes, entre conselheiros, ministros, auditores e especialistas do setor público. A programação do evento prevê 80 atividades, 84 palestrantes e discussões relevantes sobre a inovação no controle público, transparência e o fortalecimento dos órgãos de controle.
O evento é promovido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) em conjunto com o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), Instituto Rui Barbosa (IRB), Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC), Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom) e Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon).
O IX ENTC tem patrocínio da Cemig, Codemge, Itaipu, ABDI, Sanepar, BID, CNI, CFC, Abralegal, Geap Saúde e Editora Fórum. O Encontro conta com o apoio institucional dos Tribunais de Contas de Mato Grosso, Santa Catarina, Rondônia, Goiás, Rio Grande do Sul, ASUR, Ampcon, ANTC e CNPGC.
A cobertura completa, incluindo fotos e apresentações dos painelistas, estará disponível no site da Atricon e no site do IX ENTC, além de ser compartilhada no Flickr.
Serviço:
IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas
Data: 11 a 14 de novembro
Local: Foz do Iguaçu (PR)
Programação: https://entc2024.com.br/programacao
Cobertura: https://entc2024.com.br, https://atricon.org.br e www.flickr.com/atricon.
Texto: Murilo Zardo e Omar Nasser
Foto: Joel Arthus