Durante o primeiro dia da nona edição do Encontro Nacional dos Tribunais de Contas (IX ENTC), a saúde pública foi pauta de um debate entre especialistas e servidores do sistema de controle externo, com foco nas auditorias como ferramentas de transformação para garantir a eficiência do Sistema Único de Saúde (SUS). As discussões abordaram temas como o planejamento, monitoramento dos planos municipais de saúde, controle de emendas parlamentares e ações de fiscalização sobre a efetividade do sistema de saúde brasileiro.
O seminário foi mediado pela conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Roraima (TCE-RR), Cilene Salomão, e contou com as explanações de diversos especialistas, entre eles a professora em Direito Sanitário Lenir Santos, a auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) Adriana Salles, o auditor federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU) Antônio Costa, a coordenadora do Núcleo de Avaliação e Monitoramento de Políticas Públicas de Saúde do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) Maytê Aguiar, o auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO) Valdeci Caetano, e a assessora de gabinete do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) Luciana Andrea Accorsi Berardi.
Lenir Santos – Professora do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Unicamp
A professora Lenir Santos, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), apresentou um cenário desafiador para quem fiscaliza o SUS, por meio da palestra “Incoerências e desafios do SUS”. Segundo ela, o sistema é altamente complexo, envolvendo a integração obrigatória (por determinação constitucional) de todos os entes, e é ainda marcado pela descentralização política e pela atuação subsidiária. Além disso, o sistema deve se pautar pela cooperação técnico-financeira e pela setorialidade.
De acordo com a professora, nem tudo o que é previsto em lei se materializa na prática. Ela destacou que, no caso do SUS, a autonomia dos entes federativos é mitigada pela cooperação obrigatória. Embora as transferências para os entes sejam obrigatórias e exista um arcabouço legal prevendo o rateio dos recursos, até hoje não foi pactuada uma metodologia de cálculo para a partilha desses recursos. Lenir também mencionou a supremacia do setor privado na prestação de serviços de saúde pelo SUS, apontando que 5,7% do Produto Interno Bruto (PIB) destinado ao SUS ficam com o setor privado, enquanto 3,9% são direcionados ao setor público. Para ela, essa característica distorce a previsão legal de atuação do setor privado em regime de complementaridade, que deveria ocorrer apenas quando o serviço é insuficiente, com preferência para entidades sem fins lucrativos. “Contudo, hoje, 95% dos serviços de média e alta complexidade estão nas mãos do setor privado”, afirmou.
A professora também comentou sobre os recursos encaminhados à saúde por meio de emendas parlamentares, que hoje representam 47% dos recursos em saúde, os quais podem ser alocados de forma discricionária. Ela criticou o fato de que esses recursos não consideram as desigualdades regionais. Por fim, destacou que as ações em saúde, como qualquer política pública, precisam de controle, principalmente quando se observa a atenção primária sendo transferida dos entes federativos para organizações não governamentais. “É fundamental o trabalho de controle interno, externo e social para que as políticas sejam eficazes”, concluiu, enfatizando também a necessidade de acompanhamento da participação do setor privado no SUS.
Maytê Cardoso Aguiar – Coordenadora do Núcleo de Avaliação de Monitoramento de Políticas Públicas de Saúde do TCE-ES
Maytê Cardoso Aguiar apresentou o painel dos Planos Municipais de Saúde desenvolvido pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES). Ela mencionou que a existência de um critério do Marco de Medição de Desenvolvimento dos Tribunais de Contas (MMD-TC), que avalia o acompanhamento dos Planos de Saúde, reforçou a demanda pelo desenvolvimento desse instrumento na Corte capixaba. Maytê explicou que os painéis utilizam dados da plataforma DigiSus, que permite aos gestores estaduais, do Distrito Federal e municipais registrar informações sobre o Plano de Saúde (PS) e a Programação Anual de Saúde (PAS).
Ela destacou que os painéis permitem, por exemplo, acompanhar a distribuição de equipamentos e estabelecimentos de saúde, o que facilita a avaliação de possíveis variações no número de vagas disponíveis. Maytê também mencionou os primeiros resultados da adoção desses painéis, como os alertas nos relatórios de contas dos prefeitos, que permitem a eles monitorar a situação do instrumento de planejamento (se já foi aprovado ou se a sua disponibilização ao DigiSus está atrasada). Outro avanço foi a capacitação dos conselhos de saúde, que se beneficiaram do diagnóstico da situação de cada município obtido por meio dos painéis.
Adriana Magalhães – Auditora de Controle Externo do TCDF
Adriana Magalhães, auditora do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), apresentou os principais achados de uma auditoria operacional realizada de março a agosto de 2023, com foco na política de atenção primária em saúde no Distrito Federal. Os eixos de avaliação foram o acesso universal, a resolutividade, a coordenação do cuidado e a eficiência das unidades básicas de saúde. Segundo a auditora, a política de atenção básica no Distrito Federal apresentou desempenho inferior ao de outras implementações em estados e municípios, além de um cumprimento insuficiente das metas estabelecidas.
“A auditoria observou fragmentação entre os níveis de atenção, falta de integração e interoperabilidade, com sistemas que não se comunicam”, explicou. Além disso, foram identificados relatos de falhas no fluxo de referência e contrarreferência na rede, deixando os pacientes “perdidos”. A auditoria também constatou que as unidades de atenção básica com os piores desempenhos eram aquelas com estruturas mais precárias, em desconformidade com as diretrizes do Ministério da Saúde.
Antônio França da Costa – Auditor federal de Controle Externo do TCU
O Tribunal de Contas da União (TCU) está conduzindo uma avaliação sobre as transferências de equipamentos de saúde de entes federativos para organizações sem fins lucrativos, com o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços prestados. Antônio Costa, auditor do TCU, informou que atualmente há 1.828 equipamentos públicos de saúde sob gestão de entidades privadas sem fins lucrativos, sendo a maioria deles unidades básicas de saúde de responsabilidade dos órgãos executivos municipais.
“Apesar da transferência, a responsabilidade pela qualidade dos serviços em saúde não é delegada às entidades privadas. As prefeituras devem se atentar às políticas públicas oferecidas nesses contextos”, destacou o palestrante.
Valdeci José Caetano – Auditor de Controle Externo do TCE-GO
Em 2023, o Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO) auditou o complexo regulador estadual, relacionado às internações, serviços especializados e sistemas de apoio diagnóstico, após notícias de irregularidades, que chegaram a resultar em uma operação policial. A auditoria avaliou o sistema de regulação por meio da observação de procedimentos do complexo, com o intuito de melhorar o atendimento à população de maneira eficiente e transparente.
A auditoria recomendou, entre outras ações, à Secretaria Estadual de Saúde a implementação de uma política de segurança da informação, realização de concurso público e a integração dos sistemas de regulação existentes no Estado.
Luciana Andrea Accorsi Berardi – Assessora de Gabinete no TCM-SP
Luciana Berardi explicou como o Observatório de Políticas Públicas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP), composto por cinco grupos de trabalho, entre eles o de Saúde, tem desenvolvido ações de avaliação de políticas públicas a partir do Plano Municipal de Saúde, publicações acadêmicas e outros documentos. Entre os produtos gerados pelo Observatório, estão a produção de dados e indicadores regionalizados sobre a capital paulista, com o objetivo de promover a transparência pública, reduzir gastos e, acima de tudo, garantir a qualidade dos serviços.
O trabalho de pesquisa do Observatório também inclui dados sobre a implantação da saúde digital, revelando que, entre 2019 e 2023, foram realizados mais de cinco milhões de procedimentos na cidade de São Paulo, dos quais apenas 300 mil foram em teleassistência.
O IX ENTC
O IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas (ENTC), que acontece até 14 de novembro em Foz do Iguaçu (PR), reúne 2 mil participantes, entre conselheiros, ministros, auditores e especialistas do setor público. A programação do evento prevê 80 atividades, com 84 palestrantes, e discussões relevantes sobre a inovação no controle público, transparência e fortalecimento dos órgãos de controle.
O evento é promovido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon), em parceria com o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), Instituto Rui Barbosa (IRB), Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC), Associação Brasileira dos Tribunais de Contas.
O IX ENTC tem patrocínio da Cemig, Codemge, Itaipu, ABDI, Sanepar, BID, CNI, CFC, Abralegal, Geap Saúde e Editora Fórum. O Encontro conta com o apoio institucional dos Tribunais de Contas de Mato Grosso, Santa Catarina, Rondônia, Goiás, Rio Grande do Sul, ASUR, Ampcon, ANTC e CNPGC.
A cobertura completa, incluindo fotos e apresentações dos painelistas, estará disponível no site da Atricon e no site do IX ENTC, além de ser compartilhada no Flickr.
Serviço
IX Encontro Nacional dos Tribunais de Contas
Data: 11 a 14 de novembro
Local: Foz do Iguaçu (PR)
Programação: https://entc2024.com.br/programacao
Cobertura: https://entc2024.com.br, https://atricon.org.br e www.flickr.com/atricon.
Texto: Heloísa Lima e Marcelo Oliveira
Foto: Braulio Ferraz